A
FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO
Segundo
Ferdinand Lassalle, os fatores reais de poder – os industriais, as Forças
Armadas, entre outros – formam a Constituição real do país, enquanto o
documento comumente denominado de Constituição é nada mais do que a
Constituição jurídica da nação. Assim, a coincidência entre a realidade
e a norma seria apenas um limite hipotético extremo, estando o Direito
Constitucional em contradição com a essência da Constituição e negando até
mesmo seu valor enquanto ciência jurídica. De tal forma, à Constituição não
caberia o papel de fundamentar uma ordem estatal justa, mas apenas justificar
as relações de poder dominantes.
Há uma influência recíproca entre a
Constituição jurídica e a realidade político-social, não podendo, dessa forma,
ser feita uma análise unilateral da questão. Embora isso pareça óbvio, o
pensamento de intelectuais como Jellinek e Carl Schmitt era marcado pelo
isolamento entre norma e realidade. É possível constatar que a norma
constitucional não existe de forma autônoma em face da realidade, já que é
nesta que a norma buscará ser concretizada, tornando-se vigente. Isso ocorre de
maneira interdependente, pois o legislador precisa atentar para as condições
naturais, técnicas, econômicas e culturais que estão presentes na sociedade
onde pretende-se que a regulação tenha efetividade. De tal forma, a
Constituição, além de um caráter ontológico, também dispõe de características
deontológicas, podendo assim ser tida como determinada determinante.
A despeito do condicionamento mútuo,
a Constituição jurídica tem significado próprio, já que sua pretensão de
eficácia apresenta-se como elemento autônomo no embate das forças que
representam a realidade. Quando tal eficácia é realizada, a Constituição
adquire força normativa. Contudo, existem limites quanto à constatação empírica
dessa eficácia. Esta só poderá ser efetuada quando a Constituição, moldada
pelos parâmetros da razão, encontrar-se vinculada a uma determinada situação
histórica e suas condicionantes, não podendo ser impostas ao povo de um modo
estranho e autoritário. Dessa forma, a Constituição não deve almejar a
construção de um Estado abstrato e teórico, mas conectado com as leis
culturais, políticas e econômicas assentidas na natureza singular do presente.
Entretanto, a força normativa da Constituição não deve basear-se meramente na adaptação
apropriada à realidade, mas a própria Constituição jurídica deve converter-se
em uma força ativa, que oriente condutas conforme a ordem nela estabelecida.
Essa força ativa far-se-á presente quando, além da vontade de poder, estiver
incutida na consciência geral a vontade de Constituição, fundamentada na
necessidade de uma ordem legal que proteja o Estado contra o arbítrio
desmedido, na compreensão de que essa ordem é legitimada por algo mais do que
apenas fatos e na consciência de que tal ordem não será eficaz sem o auxílio da
vontade humana.
Além das características
supracitadas, também advêm os pressuposto de um desenvolvimento pleno da força
normativa da Constituição dos elementos seguintes. Quanto ao conteúdo, este
deve corresponder o máximo possível à natureza singular do presente,
tornando-se ainda indispensável as condições de adaptação para um novo
presente. No mais, a Constituição não deve assentar-se numa estrutura
unilateral, incorporando – mediante ponderação – até mesmo estruturas que
contrariem os princípios fundamentais. Em segundo lugar, o desenvolvimento da
força normativa da Constituição depende igualmente de sua práxis. A vontade de
Constituição deve sobrepôr-se aos interesses momentâneos, já que estes, quando
contrariarem a Constituição jurídica, podem corroer aos poucos o Estado
democrático. Outro elemento nocivo à
força normativa é a freqüente revisão constitucional sob a alegação de
necessidades políticas, o que abala a confiança na inquebrantabilidade da
Constituição. Por fim, a interpretação surge como substancial para consolidar a
força normativa, pois é por de uma hermenêutica adequada que se consegue
concretizar o sentido da proposição normativa dentro das condições reais
dominantes numa determinada situação.
Assim, a Constituição jurídica não
significa um simples pedaço de papel, como disse Lassalle. Embora não esteja
desvinculada da realidade histórica na qual se insere, a Constituição não é,
simplesmente, condicionada por essa realidade. Em um eventual conflito, a Constituição
jurídica não é necessariamente a parte mais frágil, pois ela possui
pressupostos realizáveis que permitem assegurar sua força normativa. Apenas
quando eles não puderem ser satisfeitos é que a Constituição real prevalecerá,
convertendo questões jurídicas em questões de poder. Contudo, isso não nega o
significado da Constituição jurídica, mantendo-se o Direito Constitucional em
ressonância com a natureza da Constituição e devendo zelar pelo despertar e
pela preservação da vontade de Constituição.
Embora hajam ocorrido relevantes
avanços no que condiz à satisfação dos pressupostos que garante a força
normativa da Constituição, vários requisitos ainda não foram totalmente
satisfeitos. Nos dias atuais, nem sempre predomina a tendência de sacrificar
interesses particulares com vistas à preservação de um postulado
constitucional, bem como duvida-se acerca da efetividade das normas jurídicas
em face de uma determinada realidade dominada por correntes e tendências
contraditórias. Por fim, é válido lembrar que a tarefa de preservar a força
normativa da Constituição, assim como seu pressuposto, a vontade de
Constituição, foi confiada a todos nós.
BOA APRENDIZAGEM!
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